Via: Brasil de Fato
O caso da transexual Verônica Bolina tem aquecido a discussão sobre a questão da transfobia no Brasil. Verônica foi presa no último dia 12 de abril, no 2º Distrito Policial, em Bom Retiro (São Paulo), após ser acusada de agredir a vizinha do prédio onde mora, a senhora Laura P., de 73 anos. Na delegacia, Verônica também chegou a arrancar pedaço da orelha de um policial com uma mordida. A modelo, que é travesti e negra, foi espancada, teve o rosto desfigurado e o cabelo raspado. Imagens de seu rosto desfigurado, com os seios expostos e o cabelo raspado foram divulgadas na Internet, despertando indignação e revolta dos movimentos de direitos humanos. As agressões sofridas por Verônica seriam justificadas pelos atos que cometeu? Se não fosse transgênero, teria seu corpo exposto e coisificado? Movimentos reforçam a denúncia sobre situação grave e naturalizada da violência contras pessoas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis).
Por meio das redes sociais, a presidenta do Conselho Estadual LGBT de São Paulo, Agatha Lima, informa que irá instaurar uma sindicância para apurar o caso. A ação conta com o apoio do Conselho Estadual LGBT Paulista, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP).
Em entrevista à Adital, Dediane Souza, coordenadora do Centro de Cidadania LGBT – Arouche, da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo, comenta que é preciso haver uma apuração cautelosa, pois existem muitas violências cometidas no caso de Verônica, a exemplo das fotos que vazaram pela própria Polícia, quando são parte do inquérito e deveriam ser sigilosas.
Segundo Dediane, a identidade de Verônica é algo que a vulnerabiliza. “Tem muito a questão da travestilidade. Em nenhum momento, queremos tirar a culpa dos crimes cometidos por ela. Mas queremos garantir a preservação da identidade de gênero e o direito de defesa”.
Em nota pública, o Centro informa que está garantindo assessoria jurídica e psicológica à mãe de Verônica e acompanhando o processo até seu encerramento. A nota confirma que Verônica foi presa em flagrante, acusada de tentativa de homicídio, dano qualificado, lesão corporal, desacato e resistência. O Centro se compromete a realizar interlocução com os movimentos sociais para informações sobre o caso e encaminhar denúncia às Ouvidorias das Polícias Militar e Civil.
Também em entrevista à Adital, Carlos Fonseca, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) e conselheiro nacional de Direitos Humanos, analisa o caso de Verônica. Fonseca aponta que a homofobia está institucionalizada no Brasil, o que se manifesta de várias formas e em diversos lugares. “Há um discurso de ódio ao LGBT, a exemplo do que observamos em deputados e religiosos. Existe ainda uma condição de subcidadania, de tratamento desigual. Vemos isso não só na sociedade, mas também nas instituições, inclusive do Estado”.
De acordo com Fonseca, a situação de Verônica denuncia vários pontos: uma extrema transfobia, o tratamento violento da Polícia paulista, com desrespeito à integridade física e mecanismos de coerção.
Conforme as denúncias de violação contra a população LGBT, da Ouvidoria Nacional e do Disque Diretos Humanos (Disque 100), de 2011 a 2014, foram registradas 7.649 denúncias, sendo aproximadamente 16% contra travestis e transexuais. Em 2014, essa percentagem subiu para 20%, com o registro de 232 denúncias. Lideram os Estados de São Paulo (53 registros), Minas Gerais (26) e Piauí, com 20. Entre os tipos de violações, a discriminação e a violência psicológica estão entre as mais recorrentes, em 2014, com 85% e 77%, respectivamente, dos casos denunciados.
Fonseca observa que há uma crescente violência contra a comunidade LGBT, principalmente contra as pessoas trans. Segundo ele, já se extrapolou qualquer tipo de discussão. “É preciso ações concretas nos níveis federal, estadual e municipal. Já passamos do limite do tolerável no país.”
Segundo o “Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil, ano 2012”, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), a homofobia possui um caráter multifacetado, que abrange muito mais do que as violências tipificadas pelo Código Penal. Ela não se reduz à rejeição irracional ou ódio em relação aos homossexuais, mas é também uma manifestação arbitrária que qualifica o outro como contrário, inferior ou anormal. Por ser diferente, esse outro ser humano é alijado de sua humanidade, dignidade e personalidade.
O estudo aponta que, em 2012, foram registradas pelo poder público 3.084 denúncias de 9.982 violações relacionadas à população LGBT, envolvendo 4.851 vítimas e 4.784 suspeitos.
Perfil das Vítimas
Predominância de 71,38% de vítimas do sexo masculino, em relação aos 20,15% do sexo feminino. Entre as vítimas das denúncias, 60,44% foram identificadas como gays, 37,59% como lésbicas, 1,47% das vítimas foram identificadas como travestis e 0,49% como transexuais. Negros (pretos e pardos) totalizam 40,55% das vítimas, seguidos por brancos, com 26,84%.
A grande maioria concentra‐se na população jovem, com 61,16% de vítimas entre 15 e 29 anos. Nessa faixa etária, as vítimas entre 15 e 18 anos representam apenas 1,23%, enquanto de 18 a 29 anos 59,93%.
A violência começa em casa
58,9% das vítimas conheciam os suspeitos, enquanto 34,1% eram desconhecidos. Vizinhos são os mais frequentes, com 20,69%, seguido por familiares, com 17,72%. Entre os familiares, destacam‐se os irmãos, com 6,04% das ocorrências, seguidos pelas mães e pais, com 3,93% e 3,24%, respectivamente.
Tipos de violência
Violências psicológicas foram as mais reportadas, com 83,2% do total, seguidas de discriminação, com 74,01%; e violências físicas, com 32,68%. Também há significativo percentual de negligências (5,7%), violências sexuais (4,18%) e violências institucionais (2,39%). Dentre os tipos mais reportados de violência psicológica encontram‐se as humilhações (35,32%), as hostilizações (32,27%) e as ameaças (15,78%).